28.2.11

CHIMARRÃO


De onde a gente vem? Do que a gente é feito? Qual é o sentido da vida? A vida é tão cheia de perguntas para as quais não temos respostas. Quando eu era criança eu sabia muito bem duas coisas: queria ser jogador de futebol (do Grêmio) e gaúcho, que eu achava que era aquela profissão executada por um homem montado a cavalo, com camisa branca, bombacha, guaiaca e lenço vermelho no pescoço. Para este futuro eu treinava muito, fazia paredão com a bola de futebol contra a casa da família, buscando aperfeiçoar o chute perfeito ensinado por Pelé, e me vestia de gaúcho e ia para esquina de casa exercer ser gaúcho que era basicamente ficar lá pilchado parado por horas.

Gaúcho gosta de cozinhar. A relação direta é com churrasco. Existia uma época em que no domingo ir a missa e fazer churrasco eram sagrados. Da carne que sobra do churrasco se faz o carreteiro. Tem a salada de batata para acompanhar, o pucheiro de rabo e mandioca. Mas na verdade estou querendo falar do chimarrão.

Uma cuia de cabaça

um pouco de erva mate jogado ao lado da cuia

água quente, ante de ferver, para ocupar o vazio

onde entra a bomba para sorver o chá de mate

O chimarrão pode se tomar sozinho, mas o costume é tomar numa roda. Nas áreas rurais se acorda cedo, liga o rádio e se prepara o chimarrão, quem vai chegando é recebido na roda de chimarrão, antes do café e se preparando para o dia na lida. Esta é uma tradição muito antiga, de origem indígena, e que une numa só identidade gaúchos brasileiros, paraguaios, uruguaios e argentinos. E onde estiver o gaúcho se acha nas suas origens no chimarrão. Isso parece tão forte e arraigado porém nem sempre foi assim. Por um bom tempo chimarrão foi coisa de velho. Nos anos 90 os jovens passaram a curtir o chimarrão e se identificar em ser gaúcho, sem que para isso tivessem que frequentar o CTG - Centro de Tradição Gaúcha - deram uma flexibilizada na tradição.

Não há nenhuma fábrica grande de erva mate. São pequenas e regionais, e as variedades são muitas. As fábricas de cachaça, de embutidos, farinhas, de vinho não resistiram a regulação e fecharam. Um desastre, não só por causa do trabalho, diversificação econômica e da distribuição de renda mas por causa da cultura que vem com estes ofícios. As fábricas de erva mate nunca foram atingidas pela regulação do governo. No mercado público de Porto Alegre você pode escolher as diferentes ervas para fazer uma com sua assinatura.

Só folha, fina, mista, com galho, mais amarga, mais suave, mais doce. O paraguaio toma o tererê, um mate com água fria e ervas refrescantes. O Argentino toma numa cuia pequena, individual, como o Uruguaio. O Uruguaio toma mate o dia inteiro e onde ele vai, dizem existir uma estatística de perfuração do esôfago por Uruguaio dirigindo tomando mate.

Ultimamente estou avesso a tradições isolacionistas. O gaúcho sente tanto orgulho de si e suas coisas que não gosta de olhar para fora e se misturar, e mede o mundo a partir de sua fantasiosa perspectiva. A fantasia de um ser orgulhoso e de moral superior. Mas de fato sou o gaúcho que sonhei ser quando menino.

E de todas as tradições a que mais gosto é do chimarrão.